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Como o lugar habitado mais remoto da Terra tenta proteger sua única fonte de renda

O arquipélago de Tristão da Cunha, no Atlântico Sul, fica a 2,4 mil quilômetros de distância do local habitado mais próximo, a ilha de Santa Helena Getty ...

Como o lugar habitado mais remoto da Terra tenta proteger sua única fonte de renda
Como o lugar habitado mais remoto da Terra tenta proteger sua única fonte de renda (Foto: Reprodução)

O arquipélago de Tristão da Cunha, no Atlântico Sul, fica a 2,4 mil quilômetros de distância do local habitado mais próximo, a ilha de Santa Helena Getty Images via BBC Soa o gongo da pesca. São cinco horas da manhã e o som de um martelo batendo em um antigo cilindro de oxigênio me acorda. É dia de pesca em Tristão da Cunha, um pedaço de terra no sul do Oceano Atlântico, onde moram pouco mais de 200 pessoas. O assentamento humano mais próximo deste território britânico fica a mais de 2,4 mil quilômetros de distância. ✅ Clique aqui para seguir o canal de notícias internacionais do g1 no WhatsApp Quando o gongo silencia, os cães começam a latir, motores são ligados e o som das botas de borracha no chão ecoa pelo ar. Os pescadores se dirigem ao porto Callshot, conhecido como "a Praia", para colocar iscas e preparar seus barcos. Eles têm apenas 18 a 72 dias de pesca por temporada. Por isso, cada oportunidade é importante. Os pescadores irão atrás do produto mais valioso da ilha: a lagosta-de-são-paulo (Jasus paulensis), encontrada apenas perto de ilhas remotas nos oceanos mais ao sul do planeta. Apreciadas pela sua carne doce e delicada, uma única cauda pode valor US$ 39 (cerca de R$ 207) no mercado norte-americano. As lagostas também são vendidas no Japão e no Reino Unido. Aqui, nas águas frias e temperadas do arquipélago de Tristão da Cunha, esses crustáceos vivem perto da costa, em profundidades de até 200 metros. Mas a ilha nem sempre conseguiu sobreviver da sua riqueza em lagostas. Décadas atrás, a pesca excessiva fez com que o número de crustáceos na região se reduzisse significativamente. Atualmente, os tristanitas dependem da captura das lagostas. Mas eles também sabem que, sem proteção adequada, elas correm sérios riscos. "Sempre dependemos do oceano como fonte de alimento, gerenciando da melhor forma possível. Ou seja, sem tirar mais do que o necessário", explica o chefe do Departamento de Pesca de Tristão da Cunha, James Glass. Para ele, "este é um local precioso e queremos que permaneça assim". "É o nosso sustento", afirma o pescador Shane Green. "Sem o oceano, nossa comunidade não funcionaria." Agora, com os oceanos do planeta enfrentando pressões cada vez maiores, as mudanças climáticas, espécies invasoras e a pesca industrial ilegal ameaçam o ecossistema marinho e a principal fonte de renda da ilha. Os moradores de Tristão da Cunha estão determinados a garantir a sobrevivência das lagostas-de-são-paulo e a deles próprios. Tristão da Cunha é o local habitado mais isolado do planeta Getty Images via BBC Os pescadores da ilha trabalham em meio à quinta maior área marinha protegida (AMP) do planeta. Ela cobre 687 mil quilômetros quadrados de oceano. Em 91% das águas territoriais da ilha, a pesca comercial é proibida. Nas áreas restantes, existem quotas rigorosas, limites de tamanho e monitoramento a bordo. E a vigilância via satélite ajuda a detectar e impedir atividades ilegais. Jason Green e seu parceiro de pesca, Dean Repetto, navegam juntos há uma década. Como a maioria dos tristanitas, sua conexão ancestral com o mar data de mais de um século atrás. "Na minha família, a pesca é passada de geração em geração", conta Repetto. Ele também trabalha como mecânico no Departamento de Pesca de Tristão da Cunha. Em um belo dia de janeiro de 2024, Green, Repetto e seu aprendiz Tristan Glass saem para o mar no Island Pride ("Orgulho da ilha", em português), seu barco laranja brilhante de 8 metros. Ao deixarem o minúsculo porto de Tristão, eles se dirigem para leste, atravessando as florestas de algas gigantes do litoral. As imensas algas marrons podem crescer mais de meio metro por dia e atingir 45 metros de comprimento. Eles se dirigem ao seu destino, um ponto de pesca no lado sul da ilha. Os pescadores conseguem identificar o local pela triangulação de pontos de referência e pela profundidade do oceano em certos locais. "Pode ser um cume, pode ser uma ravina, pode ser uma cabana ou um morro e você alinha um com o outro", explica Eugene Repetto, pescador do barco Kingfisher ("Martim-pescador"). No Island Pride, o rosto do aprendiz fica pálido, em um sinal característico de enjoo marítimo. O trabalho é particularmente difícil para algumas pessoas. Enquanto Glass se recupera dos sintomas, Green lança 16 armadilhas grandes na água profunda. Ele irá deixá-las ali por horas — o tempo suficiente para que as lagostas encontrem a isca. Repetto, então, se dirige para águas mais rasas, onde Green lança redes cilíndricas que capturam as lagostas nas florestas de algas submarinas. Eles puxam essas redes para bordo uma vez por hora. Antes de retornar para o porto, eles retiram as lagostas das armadilhas mais profundas instaladas anteriormente. Onívoras e sem garras, as lagostas de Tristão da Cunha usam suas longas antenas para navegar pelo leito rochoso. Elas se alimentam à noite de ouriços-do-mar, moluscos e outros invertebrados consumidores de algas. Tudo isso ajuda a sustentar as florestas subaquáticas que abrigam muitas outras espécies marinhas. As lagostas-de-são-paulo são um elo fundamental da cadeia alimentar. Elas se alimentam de animais mortos e matéria orgânica, reciclam nutrientes e servem de presa para os predadores, como os polvos. Os pescadores de Tristão da Cunha usam armadilhas para capturar a lagosta-de-são-paulo, que é a base da economia do arquipélago Getty Images via BBC Os 229 moradores de Tristão da Cunha vivem em extremo isolamento, rodeados por milhões de quilômeros quadrados de mar aberto. Seu vizinho habitado mais próximo é a ilha de Santa Helena, onde Napoleão Bonaparte (1769-1821) viveu seus últimos dias. Ela fica a 2.414 km ao norte de Tristão. Montevidéu, no Uruguai, fica a 4.023 km a oeste da ilha. E, ao sul, algumas poucas ilhas desabitadas separam Tristão da Cunha do gelo deserto da Antártida. A única via marítima regular para chegar à ilha (a partir da Cidade do Cabo, na África do Sul) não é confiável. Conseguir uma das 136 cabines em um dos nove navios anuais é apenas o começo. A viagem de 2.819 km pode levar até duas semanas, dependendo das condições do tempo. Passei 10 meses em Tristão, entre dezembro de 2023 e outubro de 2024, com a fotógrafa Julia Gunther. Quando chegamos pela primeira vez, as ondas altas causaram o fechamento do porto. Precisamos esperar cinco dias a bordo de um navio na costa, até podermos desembarcar. A única cidade da ilha, Edimburgo dos Sete Mares, não tem aeroporto, hotéis, nem restaurantes. O que encontramos ali em grande quantidade foram imensos rochedos, um forte senso de comunidade e uma vasta extensão de oceano intocado. O isolamento e os fortes instintos de sobrevivência moldaram todos os aspectos da vida por aqui. A pesca comercial chegou a Tristão nos anos 1940. Desde então, a lagosta é a base da economia da ilha. A lagosta-de-são-paulo aparece até mesmo no brasão de Tristão da Cunha. "As lagostas costumavam ser tão abundantes que as pessoas andavam até as piscinas rochosas na maré baixa para capturá-las", relembra James Glass. Ainda não existem evidências conclusivas, em grande parte, devido ao pequeno número de estudos. Mas existem sinais de que as mudanças climáticas poderão trazer sérias consequências para o ambiente marinho de Tristão da Cunha. Um estudo mostra que o aumento das temperaturas do mar já prejudica o crescimento das algas no verão (um habitat fundamental para as lagostas). E o aquecimento dos oceanos também poderá levar as lagostas mais para o sul, fora do alcance dos moradores da ilha. Edimburgo dos Sete Mares é a única cidade de Tristão da Cunha. Ela não tem aeroporto, nem hotéis ou restaurantes Getty Images via BBC Cheseldon Lavarello tem 82 anos. Ele conta sobre as enormes quantidades de lagosta que ajudou a trazer para a praia, quando saiu para o mar pela primeira vez, com 15 anos de idade. "Meu parceiro de pesca e eu conseguimos pegar 1.360 kg em um dia, usando apenas 10 redes", relembra ele. Inicialmente, a pesca era pouco regulamentada, segundo James Glass. Lagostas pequenas e fêmeas com ovos, muitas vezes, eram retiradas da água antes que tivessem a chance de se reproduzir. Foi apenas em 1983 que o Conselho da Ilha criou os limites de tamanho. O estabelecimento de quotas se seguiu em 1991. Mas Glass afirma que as duas medidas só foram realmente postas em prática em 1997. Cada oportunidade é importante para os pescadores de Tristão da Cunha, que contam com apenas 18 a 72 dias de pesca por temporada Getty Images via BBC A maior empresa de pesca da ilha, na época da nossa visita, era a companhia sul-africana Ovenstone Agencies. Ela detinha a concessão de uma grande quota de lagostas-de-são-paulo — cerca de 800 mil por ano, além de 110 toneladas de peixe-medusa-antártico (Hyperoglyphe antarctica). A empresa oferece empregos, eletricidade e transporte marítimo de passageiros, incluindo evacuações médicas, para a Cidade do Cabo. Entre agosto de 2023 e abril de 2024, o principal navio de pesca da Ovenstone (o MFV Edinburgh) pescou em volta das ilhas próximas de Nightingale, Inacessível e Gough, trazendo à terra cerca de 316 toneladas. Este volume representa a maior parte da produção anual da ilha, de 441 toneladas. Observadores do Departamento de Pesca de Tristão acompanharam todas as viagens, medindo centenas de lagostas todos os dias. A produção foi processada, embalada e congelada a bordo, para ser enviada para a Cidade do Cabo. "A Ovenstone tem uma licença exclusiva. É muito rigorosa", afirma o administrador britânico de Tristão da Cunha, Philip Kendall. "Eles são obrigados a relatar exatamente o que pescaram." Pescadores locais como Jason Green, em barcos menores, pescaram o restante da quota, de até 125 toneladas. "Precisamos ter bastões de medição à mão para examinar as lagostas menores... e os barcos não podem ultrapassar o número certo de redes e armadilhas", explica Green. Ao longo do ano, o Departamento de Pesca marca as lagostas, acompanha seus movimentos e usa câmeras submarinas para monitorar a saúde das criaturas. "As amostras aleatórias e dados de biomassa ajudam a determinar o estoque de animais", segundo Sarah Glass-Green, do Departamento de Pesca de Tristão da Cunha. Apesar do seu extremo isolamento, Tristão não está livre das pressões ambientais enfrentadas por outras comunidades. A ilha fica em uma movimentada rota comercial e, com a expansão do comércio global no final do século 20, a possibilidade de uma grande catástrofe marinha que devaste a pesca na ilha também aumentou. Diversos choques ambientais ocorridos no final dos anos 2000 demonstraram como o ambiente marinho é vulnerável. Tristão da Cunha fica em uma movimentada rota comercial Getty Images via BBC Em junho de 2006, um grupo de tristanitas no mar observou uma enorme plataforma de petróleo, a PXXI, encalhada em Trypot Point, um trecho inacessível da ilha, com enormes rochedos de 500 metros de altura, em uma praia estreita entre as rochas. A PXXI havia se separado do seu rebocador um mês antes, quando era levada do Brasil para Singapura. Shane Green relembra quando viu a plataforma pela primeira vez, enquanto pescava com seu avô. "Estávamos contornando o recife em Sandy Point e eu a vi", ele conta. "Parecia um pequeno hotel. Mais tarde, passamos por baixo dela com o barco. Ela tinha cracas por todos os lados. Quando você olhava para cima, parecia que estava embaixo de um arranha-céu." Não houve vazamento de óleo, mas a PXXI rapidamente introduziu 62 espécies invasoras. Uma delas é o marimbá (Diplodus argenteus), um peixe dos recifes onívoro, nativo da América do Sul. Desde então, ele se espalhou por três ilhas do arquipélago. Apenas a ilha de Gough continua livre da espécie. Em Tristão da Cunha, o marimbá, agora, concorre com as espécies nativas em busca de alimento e habitat. Uma lagosta jovem já foi encontrada no estômago de um marimbá, o que levanta preocupações para o setor pesqueiro. Seu impacto sobre a vida marinha de Tristão, agora, é tema de um estudo da Universidade de Exeter, no Reino Unido. Um estudante irá passar quatro meses na ilha para estudar mais de perto a expansão do marimbá e suas interações com as lagostas. Milhares de pinguins-de-penacho-amarelo-do-norte foram mortos em agosto de 2011, com o encalhe do navio MS Oliva na ilha Nightingale, no arquipélago de Tristão da Cunha Getty Images via BBC Em março de 2011, o navio MS Oliva encalhou na ilha Nightingale, derramando combustível e 65 mil toneladas de soja. Milhares de pinguins-de-penacho-amarelo-do-norte e outras aves marinhas morreram e a pesca nas ilhas Nightingale e Inacessível foi temporariamente suspensa. Apesar de eventos como este, as expedições científicas (incluindo a expedição Pristine Seas da National Geographic, liderada por Paul Rose em 2017), encontraram abundante vida marinha, que aparentemente não foi prejudicada pela pesca comercial, nem pelos desastres ecológicos ocorridos. Rose e sua equipe realizaram a primeira pesquisa detalhada da vida marinha da ilha, com mergulhadores, câmeras submarinas e marcação por satélite. O estudo confirmou que muitos tristanitas já sabiam: os mares da ilha estão entre os mais intocados da Terra. Eles abrigam colônias mundialmente importantes de aves marinhas, berçários de tubarões e vastas florestas de algas. Os mares do arquipélago estão entre os mais intocados do planeta Getty Images via BBC Mas a pesquisa também destacou uma preocupação cada vez maior: por quanto tempo este ambiente marinho tão saudável poderá permanecer intocado? Os incidentes ambientais e dados de pesquisas levantaram uma questão mais profunda sobre como Tristão da Cunha poderá preservar suas águas para o futuro, sem sacrificar sua importante atividade pesqueira. A ideia de proibição total da pesca é impensável. Toda a comunidade local depende da atividade para sua sobrevivência. Além disso, a proibição não impediria desastres futuros. Afinal, a maioria dos acidentes que já ocorreram foi causada por navios em trânsito, não pela pesca. E o que ocorreria se entidades externas, como o próprio governo britânico, impusessem uma área marinha protegida que ignorasse as necessidades locais? "Tristão tinha a oportunidade única de liderar a criação da sua própria área marinha protegida", afirma Andy Schofield, chefe de trabalho em territórios ultramarinos da Sociedade Real de Proteção das Aves, uma organização britânica sem fins lucrativos de conservação da vida selvagem. Entre 2017 e 2019, o governo de Tristão da Cunha, o Conselho da Ilha, operadores de pesca e cientistas da conservação elaboraram um plano. "Precisávamos dizer [ao Reino Unido]: 'É isso o que Tristão quer'", explica Schofield. O projeto final, adotado em 2019, se baseou, em grande parte, no conhecimento local. A Área Marinha Protegida cobre 687 mil quilômetros quadrados e 91% da Zona Econômica Exclusiva de Tristão da Cunha foi totalmente fechada para a pesca. Basicamente, o projeto definiu uma zona de pesca costeira designada para a pesca comercial da lagosta, preservando as bases econômicas da ilha. O plano também criou "Áreas a Serem Evitadas" para a navegação, reduzindo o risco de acidentes perto de habitats sensíveis. "A economia local e global anda de mãos dadas com as AMPs", afirma Rose. "Mais proteção resulta em mais peixes." Tristão também começou a enviar representantes para o exterior. "Nossas águas são um porto seguro para a vida selvagem", afirma a responsável pela Área Marinha Protegida de Tristão da Cunha, Janine Lavarello. "Queremos que as pessoas entendam que, se a nossa pequena comunidade pôde estabelecer esta imensa área marinha protegida, imagine o que podem conseguir os países maiores." As lagostas-de-são-paulo têm lugar de destaque no brasão de Tristão da Cunha Getty Images via BBC Mas identificar e designar as áreas marinhas protegidas é mais fácil do que policiá-las e fazer cumprir a legislação. Tristão da Cunha é o único território ultramarino britânico que não possui seu próprio navio ou aeroporto. A ilha depende de rastreamento via satélite e redes globais para supervisionar cerca de 700 mil quilômetros quadrados de área oceânica. "Você não pode proteger o que não consegue ver", explica a chefe para a América Latina da organização internacional Global Fishing Watch. "O monitoramento por satélite supre a falta de visibilidade e desempenha papel fundamental [...] para salvaguardar ecossistemas marinhos remotos." A Organização de Gestão Marítima do Reino Unido (MMO, na sigla em inglês) auxilia a AMP de Tristão da Cunha, interpretando dados dos Sistemas de Identificação Automática (AIS, na sigla em inglês) para assinalar navios que apresentem comportamento suspeito, como reduzir a velocidade ou ficar à deriva em uma zona proibida. Se o Sistema de Identificação Automática de um navio for desligado ou se a embarcação se mover repetidamente em círculos em uma pequena área, a MMO envia um alerta para o administrador britânico de Tristão. Mas Tristão da Cunha não consegue interceptar fisicamente os violadores da AMP. A ilha possui um único barco de patrulhamento, o Wave Dancer ("Dançarino das ondas"), com alcance de 483 km. E, para complicar ainda mais, Tristão não tem guarda costeira. "Se sofrermos uma falha mecânica, não haverá ninguém para vir nos resgatar", segundo James Glass. Em 2019, o navio MV Nika, de bandeira panamenha e se identificando falsamente como navio cargueiro, foi flagrado dentro da AMP da Geórgia do Sul, carregando equipamento de pesca. Rastreado até o sudeste asiático, o navio foi apreendido na Indonésia, com ajuda da Interpol. Seu capitão foi preso e seu registro panamenho foi cancelado. "Fundamentalmente, uma AMP sem capacidade de patrulhamento não trará os resultados que você gostaria", afirma o ecologista marinho Mark Belchier, gerente de ciências do Serviço Antártico Britânico, que ajudou a rastrear o MV Nika. O custo anual de um navio totalmente equipado ficaria na casa dos milhões, o que está fora do alcance para Tristão da Cunha. Mas Glass deseja que Tristão tenha seu próprio navio. "Atualmente, não há meio de impedi-los", lamenta ele. "Dependemos totalmente do governo britânico para patrulhar para nós." A Área Marinha Protegida de Tristão da Cunha cobre 687 mil quilômetros quadrados de oceano em volta do arquipélago Getty Images via BBC Mas, por enquanto, a AMP parece estar se mantendo. O analista da MMO Jason Garthwaite afirma que o respeito à AMP é alto, sem casos confirmados de pesca ilegal. Mas, de forma geral, os navios parecem estar se afastando de Tristão da Cunha. Números fornecidos pela MMO, aos quais a BBC teve acesso, indicam que, em 2019 (o ano anterior ao estabelecimento da AMP), 14% dos navios que transitavam pelas águas de Tristão da Cunha passaram a até 46,3 km (25 milhas náuticas) de uma das ilhas do arquipélago. Os mesmos dados demonstram que, em 2023, este número caiu para 2% e o tráfego geral dentro da AMP foi reduzido em mais de 20% desde 2020. Não houve incursões confirmadas na AMP de Tristão da Cunha que levassem a multas ou condenações desde o início do monitoramento. Mas a atualização de vigilância dos navios publicada pela MMO em julho de 2025, observada pela BBC, demonstra que as águas da ilha permanecem sob pressão constante. Aparentemente, dois navios entraram nas áreas a serem evitadas do arquipélago. Um deles desligou o Sistema de Identificação Automática a menos de 370 km (200 milhas náuticas) de distância da AMP e uma frota de cinco navios de pesca de atum-rabilho operou a 46 km (25 milhas náuticas) dos seus limites. O fato de desligar o AIS não indica, necessariamente, que o navio esteja pescando ilegalmente. O desligamento pode ser causado por falhas técnicas ou por limitações da cobertura via satélite. Mas esta ocorrência desperta suspeitas, especialmente perto de ricos campos de pesca, como é o caso nas proximidades de Tristão da Cunha. Às 8h30 da manhã de uma fria manhã de domingo, no início de julho de 2024, soam os sinos da igreja anglicana de St. Mary, onde armadilhas e redes de pesca estão dispostas em torno do altar. É o Domingo do Mar, o último serviço antes do início da nova temporada das lagostas — a 75ª, desde a abertura da primeira fábrica de conservas de Tristão da Cunha, em 1949. A congregação reza pedindo mar calmo e retorno com segurança, enquanto os pescadores e trabalhadores da fábrica formam fila para a bênção da reverenda Margaret. Shane Green está ali com sua filha, Savanna, que adora ficar com ele no mar durante as férias escolares. A família Repetto também marca presença, com a esposa de Eugene, Kirsty, tocando o órgão da igreja. A pesca está profundamente enraizada na vida e na cultura da ilha. Os tristanitas aprenderam há muito tempo que retirar seu sustento do oceano traz também a necessidade de protegê-lo. Mas é Lavarello, com seus 82 anos, que define a questão de forma mais sucinta, durante minha visita à sua casa na ilha. "Precisamos cuidar do oceano de Tristão", afirma ele, enquanto observa o vento espalhar respingos de água no azul que se estende até o horizonte. "Pois, sem ele, nós não existimos." Esta reportagem foi elaborada com apoio financeiro do Centro Pulitzer. "A Jornada da Vida": conheça a remota ilha de Socotra